Vela RC Brasil Express

Jornal Eletrônico da Vela RC Brasileira

Com a palavra o campeão mundial !

O campeão mundial e projetista Graham Bantock guia Dobbs Davis pelas sutilezas do desenvolvimento da classe Um Metro Internacional (IOM)

Na vela não existem classes box rule com maior diversidade de projetos que a IOM. Desde o começo da IOM no início dos anos 80, dezenas de projetos foram tentados e testados nas grandes e competitivas flotilhas da Europa e Australásia, sem um tipo dominante. Porque não foi encontrada uma solução única para estes intrigantes barcos RC? A resposta está na natureza quase tolerante da box rule, na diversidade dos locais de regata e no ritmo implacável do desenvolvimento da forma da quilha e dos anexos dentro de regras com parâmetros muito limitados.

Em 1988, a gênese da IOM teve por objetivo criar uma classe que seria simples, menor e mais barata que a Marblehead e outros barcos maiores, com várias características padronizadas:

– Três mastros one design (projeto único), cada um com velas de tamanho e perfil rigidamente definidos;

– Um método para testar e definir valor mínimo e máximo do calado;

– Apenas mastros de alumínio ou madeira;

– Somente cascos de fibra de vidro ou madeira;

– Apenas RC com dois canais;

– Um peso máximo para a quilha e um peso mínimo para o barco completo.

“A classe foi criada para pessoas que queriam um barco com os mesmos parâmetros básicos dos outros da frota”, explica Graham Bantock. “Diferentemente de algumas das nossas outras classes, essa frota não era para ser um campo de batalha entre construtores altamente qualificados e com as melhores soluções técnicas”. Ninguém conhece isso melhor que Bantok, cuja oficina produz há quase duas décadas soluções técnicas incrivelmente detalhadas para cada componente dos barcos RC.

Como a IOM cresceu e se desenvolveu no começo dos anos 1990, as espertezas para empurrar os limites da regra foram repetidamente barradas pelo comitê da classe, cujas decisões geralmente mantiveram os princípios básicos. Isto ganhou importância quando a frota ultrapassou os mil barcos em 1994, quando mudanças significativas deixariam muitos barcos obsoletos. Porém, inovações dos menos restritos Marblehead passaram aos poucos, encontrando espaço na IOM, indo além da forma do casco e dos tipos de anexos.

A análise de Bantock destaca muitas tendências interessantes sobre a superfície molhada, braço de endireitamento (curva GZ), estabilidade e linha de flutuação. Porém, são as regatas e não os tanques de simulações CFD (computational fluid dynamics) que são os verdadeiros campos de prova dos projetos IOM e a própria cronologia de Bantok serve como um resumo útil da evolução dos projetos.

Primeiros dias: meados dos anos 90 e o desenvolvimento dos projetos baixos (down under = centro de gravidade baixo, com convés, máquinas e demais acessórios próximos da quilha)

O campeonato da Nova Zelândia de 1994 atraiu 32 inscritos, com oito barcos australianos, sendo o melhor Gary Cameron, que terminou em décimo com o seu novo e largo projeto TS2 estilo skiff. Os barcos da Nova Zelândia compunham uma mistura de projetos ingleses, franceses e locais, principalmente de John Spencer, Geoff Smale e Martin Firebrace.

Spencer foi projetista de barcos “peso leve”, largos e usualmente hard chine (arestas vivas), sendo Ragtime o mais famoso e que venceu duas vezes a Transpac. Ele pegou projetos RC como passatempo e foi secretário técnico do comitê da classe IOM. Já Smale foi vencedor da Copa Príncipe de Gales no 14 pés Internacional e medalha de ouro na Flying Dutchman, nas olimpíadas de 1964.

No campeonato da Austrália de 1995, os velejadores australianos usaram o TS2 com muito mais perícia. Os barcos, construídos com alto padrão por Craig Smith, dominaram nas condições com mais vento graças à sólida estabilidade da sua boca de 29 cm. Porém, houve pouco vento e Bantok ganhou com o seu projeto mais estreito Red Wine, campeão mundial de 1994.

Famoso pelos ventos moderados, o lago Fleetwood, de borda concretada, sediou o Europeu de 1996, onde era esperado vento fraco e os velejadores top da Inglaterra optaram por barcos com projetos relativamente convencionais. No evento as condições variaram de near gale (vento forte = força 7) a vento fraco (light breeze = força 2), com Martin Roberts vencendo com o projeto Widget (de Chris Dicks), de 18,8 cm de boca – após uma longa disputa com o mais estreito Metric Magic, do próprio Dicks. No terceiro lugar o Tonic, um projeto ainda mais estreito (16 cm de boca) desenhado por Alex Austin, estreou pelas mãos de Peter Stollery. Contudo, estes cascos convencionais tinham em comum a meia nau adelgaçada (tumblehome = costado inclinado para dentro acima da linha d´água) (com a boca máxima baixa, na linha d´água) ao contrário do alargamento comum a quase todos os projetos modernos de IOM.

Na preparação para o campeonato mundial de 1997 o TS2 dominou a competição na Austrália e começou a ter desempenho parecido na Nova Zelândia. Os projetistas kiwis (neo-zelandeses) perceberam a ameaça do tipo skiff e responderam modificando dramaticamente os seus próprios desenhos.

Para os campeonatos de 1997 Geoff Smale usou o 2 Dogs, projeto de Firebrace, com uma boca máxima de 21 cm, cuidadosamente otimizada pela expectativa de ventos fortes; o 2 Dogs trouxe um leme maior, uma quilha com forma de pá invertida com terço superior aproximadamente três vezes a corda do fundo, e a base do espelho de popa a cerca de 6mm dentro d´água com o barco parado (esse recurso, comum nos cascos das lanchas, recentemente começou a aparecer nas grandes classes como o Volvo 70 e Imoca 60).

Como previsto, o mundial de 1997 foi dominado pelos ventos fortes e, em magníficas condições para os skiffs, a competição apertada entre Smale e Smith foi excelente para os espectadores. Ambos usaram mastreação n. 1 enquanto o resto da frota disputou em segurança com a mastreação n. 2, quando Smale geralmente abria boa vantagem no contravento, antes de Smith recuperar-se na perna de popa! Outro TS2 manteve Roberts logo abaixo, em 4º quarto lugar, e apenas dois dos doze primeiros barcos eram da velha escola do desenho de canoa.

O final dos anos 90: de volta à Europa e o desenvolvimento do bulbo longo

O evidente domínio do TS2 no mundial de 1997 criou uma demanda imediata pelo tipo skiff. Entretanto, cópias bastante ruins do projeto produzidas na Inglaterra tiveram um desempenho decepcionante e, ao invés de tentar continuar a igualar o TS2, a resposta da maioria dos projetistas ingleses foi reduzir a boca para 23-26 cm. Isso deu aos barcos mais estabilidade que os projetos europeus anteriores no vento fraco e melhor velocidade nos ventos folgados em relação ao TS2.

Projetos deste tipo produzidos em conseqüência do mundial de 1997 incluíam o 3 Dogs de Firebrace, o V3 de Ian Vickers, o Ikon de Bantok, o Mirage e o Rage de Jeff Byerley. A característica comum desses novos desenhos é uma posição baixa do mastro e um convés de proa elevado ou fortemente curvado permitindo que cada mastreação fosse levada mais à vante, graças ao menor braço de inclinação e à capacidade de espalhar água quando a proa está pressionada na aceleração.

Desde 1994 o TS2 usou o bulbo com uma relação comprimento/diâmetro (C/D) perto de 7. Em contrapartida, quase todos os outros projetos contemporâneos usaram uma relação próxima de 5. Bantok logo começou a investigar o assunto com maior detalhe: “Voltei aos fundamentos e dei uma cuidadosa olhada no livro de Hoerner, Fluid Dynamic Drag, sobre a baixa velocidade de arrasto dos corpos em movimento. “Depois de ajustar a lógica das curvas aos dados experimentais seus cálculos mostraram claramente o arrasto diminuindo paulatinamente nos bulbos com o aumento na relação C/D”. Obviamente isso também aumenta a estabilidade – é uma verdadeira conquista.

“A única restrição parece ser praticamente o problema da força do lastro longo e fino, mais o aumento do momento de inércia em guinada e balanço longitudinal. Na prática, o momento da emissão da inércia não tão é crítico quando comparado a um barco maior, como o projeto V5 ACC, pois os modelos 1 Metro já têm a inércia incrivelmente elevada no balanço longitudinal devido ao calado profundo e ao mastro alto. Então o efeito do bulbo comprido é mínimo e permanece não quantificado”.

Em 1998 Bantock começou a usar bulbos com a relação C/D perto de 10 e desde então isso virou a norma. Esse refinamento, combinado com o projeto do casco do Ikon, desenvolvido com a ajuda de um VPP (Virtual Pivot Point), provou ser bem sucedido ao vencer o Europeu de 1998 e o mundial de 1999, ambos com grande variedade de condições.

O novo milênio: em direção a um ponto ideal

Ganhando o Europeu de 2000 na França e o mundial no ano seguinte na Croácia, o novo Gadget de Martin Robert, projetado por Chris Dick, começou a mudar a maré, recuperando o lugar mais alto para os desenhos mais estreitos. O Gadget tinha 10mm mais boca que um Widget e era menos adelgaçado, dando um pouco mais estabilidade no desempenho de contravento. Entretanto, por um incidente infeliz na última regata, o Europeu foi parar facilmente com Guillermo Beltri, velejando um Ikon. Bantok ficou em terceiro com o novo Italiko com 21,5 cm de boca.

Como o Ikon, o Italiko possui um casco muito achatado e destina-se a um desempenho melhor com o mastro 1. De fato, este projeto foi tão rápido nas correntes do Adriático que fez melhor tempo que a maioria da flotilha A nas principais provas com vento fraco.

Entrando mais na nova década o foco mudou rapidamente da forma do casco para a regulagem das velas. Em 2003 poucos previram que Trevor Binks seria o campeão mundial. Mas antes do mundial de 2003 no Canadá ele e seu irmão Ken estiveram ocupados testando o TS2 contra o Isis de Barry Chisam, com 21,5cm de largura, achando-o melhor a favor do vento. Assim como encontraram um casco de configuração agradável, os irmãos também foram pioneiros com o mais recente servo HITEC 5745 e descobriram uma vantagem significativa na capacidade e rapidez de manobrar as velas. Binks dominou o mundial daquele ano com uma boa velocidade e um imaculado e decidido controle do barco.

O campeonato inglês de 2004 foi velejado com ventos muitos fracos e Michael Scharmer quebrou a curva de desenvolvimento com um forte desempenho ao velejar o seu surpreendente projeto de madeira planqueada com 13,5 cm de largura, chegando em sexto. Contudo, Bantok defendeu com sucesso sua posição, mantendo o título com o seu Italiko (também com servos Hitec).

Scharmer demonstrou que o argumento a favor dos cascos mais largos ainda não estava fechado.

Emagrecendo novamente: substituindo o TS2

Seguindo o desempenho de Scharmer na Inglaterra e, talvez, aceitando que era essencial o retorno a um casco estreito ou, melhor, menos largo, o australiano Craig Smith substituiu o duradouro skiff TS2.

O desenvolvimento precoce de Smith não se mostrou completamente bem sucedido, mas no mundial de Mooloolaba (2005) o seu novo Obsession estava exaustivamente testado e pronto para a batalha. Com uma boca de 23 cm situou-se logo acima da maioria dos projetos anteriores em termos de estabilidade, mas tinha uma linha d´água e área de superfície molhada perto o suficiente dos melhores barcos para ventos fracos, sendo competitivo em qualquer circunstância. Craig venceu o campeonato de 2005 a muitos pontos do Topiko de Bantok e à frente do Cockatoo de 24 cm de largura, projeto de Byerley, velejado por Paul Jones.

O mundial do último ano na França provou ser um campeonato verdadeiramente competitivo, com o resultado decidido entre os três primeiros timoneiros apenas na última regata. Foi uma semana de condições muito variadas, de ventos fracos ao Mistral, não apresentando nenhuma particularidade entre os projetos ponteiros, a não ser a perspectiva de que os barcos extremos devem ser evitados. A competição foi vencida com pouca margem pelo velejador de skiffs Brad Gibson usando um Widget, na frente de Guillermo Beltri que usou um Topiko emprestado. Graig Smith foi o terceiro com o seu velho Obsession, seguido por um Widget, um Tonic e mais três Topikos, um deles velejado por Guillaume Florent – que depois ganhou bronze na Finn em Quingdao.

No último inverno o Topiko foi aperfeiçoado para superar uma fraqueza constatada. Sua proa é muito limpa até o convés, facilitando a penetração das ondas e melhorando fluxo de ar na buja no contravento. No vento em popa em condições estáveis, com ou sem ondas, também é um barco muito rápido, mas com muito vento em lagoas pequenas o Topiko tende a adernar e enterrar a proa. Para resolver, a proa foi alargada e foi acrescentado um chine de transição ao longo de 20% à ré do casco.

O campeonato europeu de 2008 em Dubrovnik foi dominado pelos ventos fracos e inconstantes, muita correnteza e ondulação irregular. Contudo, os melhores velejadores não foram indevidamente perturbados pelas condições desafiadoras. Guillermo Beltri mostrou excelente velocidade à frente dos quatro primeiros, que foi uma mistura de Pikantos e Topikos.

A área mais óbvia de desenvolvimento da IOM em 2008 foi acima da linha d´água, com uma variedade muito maior que a usual de projetistas e fabricantes de velas na metade dianteira da flotilha do último campeonato mundial.

O paradigma atual

Entrando em 2009, o campo de projeto seguro está na faixa máxima de 19-24cm de boca, com uma boca máxima de 17 a 19cm na linha d´água – característica de um casco com formato bem alargado. O campeonato inglês de 2006 tinha sido vencido por Dave Potter velejando o Lintel, um projeto de David Creed, um casco adelgaçado, elevado e prismático com um chine acentuado da meia nau até o espelho de popa que foi particularmente bem com ondas grandes e condições para as mastreações 2 e 3. Uma boca máxima de 21cm na linha d´água deu ao Lintel muita estabilidade, mas também uma grande superfície molhada.

Michael Scharmer continuou a desenvolver a forma ultra-estreita do seu casco e teve uma boa vitória no campeonato alemão de 2006. Parece que o desempenho nos ventos folgados dos seus primeiros barcos tem melhorado em relação aos detalhes do desenho do casco, enquanto que o desempenho da mastreação foi aprimorada com pequenos aumentos na boca máxima, o suficiente para reduzir a pressão sobre o mastro a um nível administrável.

Para concluir, o melhor desempenho nas flotilhas dos IOM já não é determinada apenas por uma simples razão de estabilidade por unidade de área molhada do casco. Outros fatores, como a forma do casco adequada a uma baixa onda de arrasto em alta velocidade, a qualidade dos apêndices (quilha/bulbo, leme), o desempenho da mastreação/velas, equilíbrio e assim por diante, são agora características mais óbvias e importantes do que foram no passado.


Matéria divulgada na SEAHORSE INTERNATIONAL SAILING MAGAZINE, n. 348, fevereiro, 2009.
A divulgação desta tradução foi autorizada pela Seahorse International Sailing Magazine.
Ilustrações são de autoria de Graham Bantok.
Tradução de Francisco S. Noelli.